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Vida e morte andam entrelaçadas?

08/07/2020

Sobre a morte e o viver

Certa vez ouvi de um psicoterapeuta, Dr. Antônio Carlos Costardi, que a esperança era o sentimento que movia todo ser humano em busca de um sentido para a sua vida. E perder a esperança era como chegar à última estação do trem e ali desembarcar.

O único animal que sabe que um dia vai morrer é o homem. Falar sobre a morte implica em falar sobre a vida. Células humanas morrem para que outras nasçam. Nosso funcionamento biológico é tão perfeito que põe por terra o pensamento cartesiano. O pensamento cartesiano separa, fragmenta e dissocia. Usamos dessa forma de pensar na tentativa de compreender os fenômenos da vida humana. Mas também fazemos uso desse mecanismo para isolar o que mais tememos: o que não sabemos. Se não temos poder ou controle sobre o nosso destino, sobre o desconhecido e o inevitável, teremos gerência ou comando sobre os eventos da nossa própria vida? Vida e morte andam entrelaçadas.

São muitos os questionamentos, são muitas perguntas sem respostas. De repente tudo pode ficar suspenso, oculto, como se fosse um segredo que a vida não quis contar quando nascemos, talvez para nos protegermos.

Como lidar com o interdito, o oculto, o não revelado e a falta de controle sobre tantas coisas que fazem parte da nossa vida? O que irá acontecer conosco quando o destino chegar? O que acontecerá conosco quando ele chegar para alguém que é muito próximo da gente, com aquele ou aquela que amamos tanto e que seguirá na direção dele? E se ele chegar de forma inesperada, aos nossos olhos, precocemente? Podemos nomear o destino de várias formas na tentativa de responder as indagações buscando certa quietude, mas as perguntas continuarão existindo.

Quando esses questionamentos chegam ao meu consultório, não encontramos resposta, mas encontramos a possibilidade de nos conectarmos com “o todo” que implica também na interdição, na frustração da perda de um poder alimentado por nossa fantasia onipotente. Muitas vezes usamos dessa fantasia para encobrir nossas fragilidades e a nossa própria vulnerabilidade.

É curioso como a nossa sociedade se estruturou diante desses dilemas. Nos tornamos consumistas e compulsivos, tentando preencher essas lacunas. Precisamos mais e mais da matéria já que não temos poder sobre o “oculto”, aquilo que nos amedronta ou nos mostra a nossa real condição: somos, sim, vulneráveis. Não somos imortais e não detemos o poder ou o comando sobre todas as coisas e eventos na nossa vida. Existe uma força maior, que é instintiva, que nos leva para alguma direção que não sabemos qual é. O envelhecimento que a ciência médica não detém, é a prova disso.

Contudo, podemos não saber a direção. De fato, não sabemos mesmo o que acontecerá no último capítulo da nossa vida. Não sabemos o que acontecerá no capítulo do dia seguinte ou daqui a pouco.

Que poder é esse que nos outorgamos e que muitas vezes nos afasta da possibilidade de nos humanizarmos? Admitirmos que não somos uma coisa ou outra, que estamos integrados com todas as possibilidades de Ser e Estar. Que tudo está integrado, que nada se perde porque tudo está no lugar, no momento certo e no fluxo natural da vida. Não comandamos o fluxo da vida. Mas quando abdicamos da nossa onipotência, fantasiosa, entramos naturalmente nesse fluxo que nos conduz ao nosso destino.

Viver, para mim, é uma experiência transcendental, pois me dou conta de que sou muito menos do que imaginava ser, mas posso mais quando percebo a grandiosidade da vida e todas as suas possibilidades que se apresentam quando me deixo levar pelo inesperado.

Não tenho respostas para todos os questionamentos dos meus pacientes porque não tenho respostas para todos os meus questionamentos também. Mas sinto que a vida é isso: muito mais perguntas e menos respostas. E se aceitamos essa condição, descomplicamos a vida. O sentido para nossa existência, às vezes, é não ter sentido algum, mas confiar e se entregar rumo ao desconhecido, àquilo que ainda não se apresentou com uma identidade. Quem disse que precisamos nomear todas as coisas que acontecem dentro e fora da gente?

Às vezes, a resposta está simplesmente na permissão que damos para o “sentir”. Sinta e aceite a experiência da vida sem procurar a resposta para todos os "por quê" que sua mente lhe cobrar. Quando sentimos, nos tornamos mais humanos e essa é a nossa verdadeira identidade. Essa é a nossa essência. A vida não pode ser definida, catalogada, explicada, rotulada. E se ela é abstrata, seguir seu fluxo natural talvez seja a forma mais inteligente de se viver. É aí que entra a fé. Tenha fé e esperança, pois fé é sinônimo de confiança e de entrega. Sem confiança não há entrega. Sem entrega não há possibilidade de vida! O resto...são ilusões.

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