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A super estimulação nas crianças e os efeitos nocivos para sua saúde mental

19/06/2023

Se nascermos em meio a um propósito, que destino teria sido reservado para nossa vida? Aprendemos, desde cedo, a cumprir ordens reproduzindo padrões comportamentais apreendidos em nosso meio. Esse movimento que insinua sutilmente o que devemos fazer é o mesmo movimento que nos mostra quem “devemos ser”. Recebemos um script ao nascer, um roteiro previamente escrito com direitos autorais reservados aos nossos antepassados.
A genética do comportamento humano propõe uma dança e um ritmo, impresso em cada sistema familiar. “Dançar conforme a música”, eis o ditado popular que mais se parece com o que vivenciamos em nossa vida. Pois bem, esta parece ser a ordem que o sistema familiar propõe.
Mas o que acontece com aquele que traz em seu “DNA Comportamental” um quantum de energia vital e um desejo pulsante para ser ele mesmo, para compor letra e melodia e, então, dançar a sua própria música? O que acontece àquele que na sua programação genética, somado a algum estímulo, decide deixar de ser o coadjuvante para ser o protagonista da sua história de vida?
É esperado dos pais que a criança seja estimulada adequadamente visando assegurar sua individualidade na família e na sociedade. Contudo, dependendo da história pregressa de seus pais, nem sempre esses estímulos serão apresentados à criança. Pais que passaram pela vivência (trauma) do abandono e do conseqüente desamparo emocional tendem a superproteger seus filhos, pois não conseguem se ver separadamente deles. Assim, não permitem a autonomia necessária à individuação pelo medo de perdê-los (medo de perder o "controle"). Outros tendem a repetir o mesmo modelo apreendido: não suportando as investidas da criança, punem qualquer iniciativa e castram qualquer tentativa de independização (individuação). Alguns filhos podem desencadear processos psicossomáticos na tentativa de obterem o real reconhecimento e a validação da sua individualidade. Há, neste caso, uma constante luta pela libertação.
Para não se tornarem reféns da história dos seus antepassados, algumas pessoas optam por saírem precocemente da casa de seus pais buscando uma independência idealizada. Tornam-se independentes economicamente, profissionalmente, mas a sombra de um passado os acompanha e os coloca em situações semelhantes, trazendo prejuízos em sua vida. Assim, com grande dificuldade em relacionamentos afetivos, vêem-se ilhados no seu triste destino: o medo da intimidade. Aprenderam que a intimidade (a entrega na relação) representa uma grande ameaça, acreditando que tal intimidade os levariam à dominação e a consequente sujeição, mantém-se afastados desta possibilidade. Temendo o risco eminente da perda ou do abandono, podem acabar sendo vítimas de si mesmos através da escolha conjugal ou afetiva que contribuiria na reprodução deste mesmo modelo de funcionamento (dependência-sujeição), trocando seis por meia-dúzia.
No entanto, uma criança que nasce com a tendência a ultrapassar os limites da dinâmica familiar, indo além do previsível, jamais conseguirá “dançar conforme a música”. Que papel teria essa criança nesse contexto familiar? Alice Miller, psicanalista renomada, diria que o destino dessa criança seria o mesmo daquela que vive "O drama da criança bem dotada”. Dotada de uma percepção maior a respeito das necessidades do meio onde está inserida, tentaria corresponder à demanda familiar, obviamente em busca do amor, da aceitação, do pertencimento e do reconhecimento dos “seus”, colocando-se a serviço das necessidades (emocionais) de seus pais.
Também nos tornamos leais (por demais) à ordem familiar, quando reproduzimos certos comportamentos ou quando nos colocamos à disposição para atender a qualquer necessidade apresentada. Este é o “drama da criança bem dotada”, que acumula dívidas afetivas por achar que tem melhores condições que as da sua família (ego vaidoso e fantasia onipotente alimentam essa primeira identidade -, pseudoidentidade). Ser melhor que seus pais e seus irmãos pode lhe custar muito caro. O preço a pagar talvez seja a submissão e a diminuição de suas capacidades, em relação as suas potencialidades.
Em outro sentido, poderíamos dizer que até mesmo aqueles que rompem com um legado ou um mandato de família estariam assim o fazendo também para cumprir com um papel esperado dentro do próprio sistema familiar. À exemplo, nossos antepassados, tão presentes e atuantes em nossa “genética comportamental”, poderiam deixar como legado o papel do opositor para que alguém modificasse a história ou trajetória deste sistema. E assim, estaríamos cumprindo novamente um outro script...
 

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