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Um dia...Pronto! Me acabo. Pois seja o que tem de ser. Morrer: que me importa? O diabo é deixar de viver.

11/08/2020

Um dia...Pronto!... Me acabo. Pois seja o que tem de ser. Morrer: Que me importa? O diabo é deixar de viver." Mario Quintana

Certa vez ouvi de um psicoterapeuta, Dr. Antônio Carlos Costardi, que a esperança é o sentimento que move todo ser humano em busca de um sentido para a sua vida e que perder a esperança era como chegar na última estação do trem e ali desembarcar.

O único animal que sabe que um dia vai morrer é o homem. Esta perspectiva pode conter um sentido: de que a vida somente tem valor se for vivida plenamente, na sua totalidade, por meio de um "sentido" que damos a ela, justificando nossa existência. Imprimir um significado à nossa existência para justificá-la (para fazer sentido) ou abrir mão de qualquer significado pelo desfecho de uma vida sem sentido e apenas viver os dias que nos restam? Qual o seu destino?

Não é fácil abordar este tema: a morte. Mas quando a encaramos, inevitavelmente nos deparamos com o seu complemento: a vida. Portanto, a morte espelha a vida. Isto é fato. Falar sobre a morte implica necessariamente em falar sobre a vida. Vida e morte se entrelaçam, andam juntas, de mãos dadas. Células humanas morrem para que outras nasçam. Há um funcionamento biológico tão perfeito, uma sincronia que propõe exatamente o contrário do nosso pensamento que ainda é cartesiano, porquanto separa, fragmenta e dissocia.

Quando tentamos compreender a vida ou os fenômenos da vida humana, tentamos também separar as coisas para isolar o que mais tememos. Afinal, nosso temor está em qual direção? Tememos a morte ou tememos a vida? Se não temos poder ou controle sobre o nosso destino final, o inevitável, teremos gerência sobre os acontecimentos que ocorrem no nosso dia a dia e os que fogem da nossa "programação", do nosso falso controle?

A sensação de impotência nos invade quando vivenciamos os eventos contrários ao nosso desejo, ou à nossa gerência, frente às tragédias, catástrofes ou frustrações diárias, rotineiras. No momento, vivemos em plena Pandemia do Covid-19. Quer maior exemplo de falso controle sobre nossas vidas? E da nossa rotina? Tais acontecimentos colocam por terra todas as nossas teorias, as nossas defesas, ficamos sem escudo, sem elmo, sem armadura, sem a ilusão de que podemos controlar a vida, sem nossa fantasia onipotente.

São muitos os questionamentos, são muitas perguntas sem respostas concretas ou definitivas. Mas já sabemos que não temos esse poder sobre nossas vidas. Tudo, e a qualquer momento, pode ficar em suspenso, como se fosse um segredo que a vida não quis nos contar quando nascemos, talvez para que pudéssemos indagá-la cada vez mais, talvez para darmos um significado a ela, para mantermos a curiosidade a ponto de nos aproximarmos mais da sua essência. A vida detém o segredo e nos protege dele, conhece todas as possibilidades, conhece a nossa própria morte.

E a ansiedade nos toma conta quando nos deparamos com essa condição: a interdição (o "não-poder", a falta de controle, a nossa vulnerabilidade). O que irá acontecer conosco quando o destino chegar? O que acontecerá conosco quando ele chegar para alguém que é muito próximo da gente, com aquele ou aquela que amamos tanto e que seguirá na direção dele? Saberemos suportar a dor da separação? Vamos sobreviver a essa dor? Ultrapassaremos os limites do apego? E se o destino chegar de forma inesperada, precocemente? Teremos vivido uma vida que valeria nossa existência?

Podemos nomear o destino de várias formas na tentativa de responder às indagações. Quando esses questionamentos chegam ao meu consultório, não encontramos resposta alguma, também não é esse o propósito da psicoterapia, mas encontramos a possibilidade de nos conectarmos com o "TODO” que inclui também a falta, a interdição da resposta, o silêncio, a carência, a falência, a impotência, a frustração da perda de um poder fantasioso que muitas vezes usamos para encobrir nossas fragilidades, pois somos humanos, meros mortais e isso nos apavora.

É curioso como a nossa sociedade se estruturou diante desses dilemas e diante do inevitável. Nos tornamos consumistas e compulsivos. Precisamos mais e mais da matéria já que não temos poder sobre ela, sobre o que amedronta ou o que revela nossa condição: somos, sim, vulneráveis e frágeis. Não somos imortais e não temos o poder que muitas vezes imaginamos ter. Existe, sim, uma força maior que é instintiva, que nos leva para alguma direção.

Mas que poder é esse? Não dominamos o fluxo da vida, não controlamos as variáveis, mas podemos nos deixar levar por ele, pois ele é o amor, a vida em si, a energia, é a nossa essência, a nossa origem e o nosso desfecho, o qual também é feito de escolhas.

E quando abdicamos da nossa onipotência, fantasiosa e prepotente? Nossas defesas se diluem, nossa "armadura" cai. Entramos no fluxo da vida e ela nos conduz. E assim tudo deixa de ser ameaçador e passa a se integrar a todas as possibilidades de existência: tristeza e alegria se alternam, ódio e amor também, força e fraqueza andam juntas. A vida é dual e tudo passa, tudo muda de estação, como as estações do ano. Não é só o clima que se altera, que muda. Nós também mudamos, felizmente!

Viver, para mim, é uma experiência transcendental pois me dou conta de que sou muito menos do que imaginava ser, mas posso mais quando percebo a grandiosidade da vida e todas as suas possibilidades de realização. E é sublime quando me “deixo levar” pelo fluxo da vida, quando abro mão do controle ou das defesas que impedem a penetração do amor, a chegada do amor. Alguns filósofos dizem que só existimos e reconhecemos nossa existência por meio do amor compartilhado. O "outro" testemunha a nossa vida. A psicanalista Alice Miller, em seu livro "A Verdade Liberta", afirma: "Existimos porque existe um outro que incluímos na nossa vida e que testemunha a nossa existência". O psicanalista Donald Winnicott também constatou: "Nos construímos a partir do outro".

Não tenho respostas para todos os questionamentos dos meus pacientes porque não tenho respostas para todos os meus questionamentos também, mas sinto que a vida é bem mais simples quando é vivida com o sentido real das coisas que fazem parte dela. E o sentido real, às vezes, é não ter sentido mesmo, como disse a escritora Martha Medeiros em seu livro "Divã". É confiar e se entregar rumo ao desconhecido, àquilo que ainda não se apresentou com uma identidade ou uma roupagem que pudéssemos reconhecer. Quem disse que precisamos nomear todas as coisas que acontecem dentro e fora da gente?

Às vezes, a resposta está simplesmente na permissão que damos para o “sentir”. Sinta e aceite a experiência da vida sem procurar resposta para todos os "porquê" que sua mente lhe pedir ou lhe cobrar. A experiência pelo campo do “sentir” poderá trazer o caráter humano de que nossa matéria também é composta. Quando sentimos nos tornamos mais humanos e essa é a nossa verdadeira identidade. Esta é a nossa essência. A vida não pode ser definida, catalogada, explicada, nomeada. E se ela é abstrata e subjetiva, seguir o curso dela no seu fluxo natural talvez seja a forma mais inteligente de se viver.

Tenha fé, pois fé é sinônimo de confiança e entrega. Sem confiança não há entrega. Sem entrega não há possibilidade de vida. O resto? São ilusões. Apenas sinta, sinta o amor que está dentro de você e compartilhe com as pessoas a sua volta. São elas que testemunham a sua existência!

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