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Primavera: a estação das flores, dos amores, dos sonhos?

17/09/2020

Não faz tanto tempo assim... Tínhamos a noção exata das quatro estações do ano, o clima esperado e os seus efeitos na natureza. Mesmo com algumas variações cada estação se configurava dentro de certa previsibilidade e permanência, resultando num efeito benéfico para nossa saúde, além de compor as fases que encerravam o ciclo das estações no ano.

Tínhamos o hábito de mudar as roupas do roupeiro ou do closet conforme a mudança das estações. Era comum no final do inverno (e sabíamos quando findava) lavar e ensacar os casacos, cobertores, edredons, roupa de cama da estação, passando para as prateleiras mais altas e aguardando o inverno do próximo ano.

Em contrapartida o anúncio da Primavera chegava com o clima mais ameno e com o florescer das plantas e o canto dos pássaros. A cidade ficava repleta de cores e aromas. Um verdadeiro cartão postal. Outras roupas e acessórios eram separados e colocados em prateleiras mais acessíveis para nossa composição diária. Assim seguiam todas as estações, com pequenas variações, quase imperceptíveis. Lembram?

Mas afinal, há quanto tempo não temos mais esta noção das estações delineadas com as suas características inconfundíveis? Não consigo lembrar, mas recordo que minha infância, adolescência e no início da minha vida adulta ainda tínhamos esta configuração. Estou falando de, no mínimo, três décadas atrás.

O clima nunca mais foi o mesmo depois do aumento do aquecimento global e dos efeitos devastadores do homem sobre a natureza, poluindo cada vez mais nossos mananciais, desmatando grandes áreas em prol do progresso desmedido, da ganância, alterando drasticamente o DNA daquela que esteve aí para nos amparar, nos acolher e nos servir: nossa mãe-natureza, nossa terra, nosso lar. Esse desrespeito à natureza, atualmente com as queimadas criminosas, provocou uma confusão tamanha que atualmente vivemos não apenas a imprevisibilidade climática das estações do ano e os efeitos danosos sobre a nossa saúde, mas também sobre a agricultura, a pecuária e outras formas de subsistência.

A natureza reage a esta exploração desmedida com revolta. E não é para menos. Nunca se ouviu falar tanto em desastres “naturais”, desastres ambientais, furacões, maremotos e tsunamis, como nas últimas décadas.

Nós, ditos "humanos", teimamos em achar outras explicações menos catastróficas onde a nossa responsabilidade seja diminuída por meio de inúmeros argumentos insólitos e pouco convincentes.

De tudo fica aqui a minha reflexão sobre este cenário no qual estamos inseridos: um cenário que impõe extrema necessidade de adaptação a um mundo repleto de desafios onde o medo se torna uma constante na nossa vida, seja pelas alterações climáticas, seja pelas mudanças que estamos acompanhando na política mundial, na área da educação, das tecnologias, da saúde. Cada vez mais somos desafiados a sermos mais resilientes.

Pergunto-me: para onde estamos nos direcionando? O que efetivamente conquistamos em termos evolutivos? A Primavera, como Tim Maia cantava com tamanha eloquência promovendo a ideia de uma nova estação, uma estação de esperança, de sonhos, de realizações, de renovação, onde a vida prevalecia sob qualquer tempo ruim, talvez seja hoje uma forma nostálgica de relembrar os tempos em que lutávamos por um mundo melhor, onde todos os ganhos, todos os frutos da mãe-natureza seriam divididos igualmente. Quando sonhávamos com uma sociedade mais justa para todos. Sonhos... Ideais... Hoje, devaneios, "delírios" de quem ainda mantém a sensibilidade à flor da pele para não sucumbir a um progresso predador e cruel na arte de exterminar o que o nosso planeta nos deixou como herança para todas as gerações.

Que permaneça nossa inocência, nossos sonhos, nossa esperança, nossos devaneios, nossa memória afetiva de quando brincávamos em cada estação aguardando a próxima com entusiasmo e o desejo por novas conquistas e realizações. Que esta estação, mesmo sem identidade certa, nos remeta para a possibilidade de fazermos sempre o bem em prol da natureza, do coletivo, nos diferenciando do padrão, do comum, daquilo que se mostra refratário e sombrio, sem vida, sem brilho nos olhos e na pele. Neste sentido, sejamos anárquicos!

Como bem diz nossa querida Maria Bethânia ao declamar o poema “A natureza está falando”.

E também nosso querido cantor e compositor Gabriel Pensador, que em suas letras e músicas clama que saibamos sair dessa roda viva que impulsiona a todos para uma vida sem propósito, sem sentido, padronizada e utilitária. Ficam aqui as minhas reflexões neste mês de setembro que também é o mês de prevenção ao suicídio.

Que não nos falte a sensibilidade para aprender com a Natureza como preservar uns aos outros e toda forma de vida.

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