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Para existir eu preciso aceitar a minha imperfeição.

20/08/2020

Somos seres gregários por natureza. Nascemos num grupo social chamado família. É o primeiro grupo que conhecemos, onde realizamos nossos primeiros aprendizados.

E nascemos tão fortes e ao mesmo tempo tão frágeis. E pela total dependência que se estabelece por meio da luta pela sobrevivência que esta simbiose inicial propicia, principalmente em contextos familiares de maior vulnerabilidade, acabamos por construir crenças equivocadas sobre nós mesmos e sobre a vida. Assim, carregamos no nosso corpo adulto a criança que se sentiu desprotegida, desamparada e carente. Desejamos fantasiosamente a permanência das coisas que nos remetem à pseudo-segurança: proteção, amparo e estabilidade emocional. Tudo que a vida adulta não poderá assegurar. Pois a vida é o contrário das certezas, das convicções. Vida é risco, é incerteza, é aposta muitas vezes, é aventura, é lançar-se ao desconhecido o tempo todo. Vida é morte também, é perda, é renúncia, é desfecho, é portanto, imprevisibilidade das circunstâncias, das relações. É sobretudo a impermanência do SER. Pois estamos em transformação.

A única maneira de viver em plenitude, viver todas as possibilidades e oportunidades, vem da constatação desta realidade e da aposta no risco. É preciso comprar o risco, comprar o pacote inteiro que a vida oferece: ganhos e perdas, sucesso e fracasso, alegrias e tristezas. E para viver plenamente é preciso abrir mão da simbiose, das fantasias infantis. Passamos boa parte da nossa vida apenas nos protegendo, nos defendendo dos nossos medos, vergonhas, angústias e sofrimento. Mas isso não é vida, isso é sobrevida. É preciso coragem para viver plenamente.

Viver plenamente implica em vencer a fantasia onipotente do controle sobre os resultados que vamos colhendo em nossa vida. A vida é impermanência tanto quanto eu sou impermanente, tanto quanto você é, e toda a humanidade. Talvez o planeta Terra seja impermanente e um dia acabe com uma grande explosão, exatamente como a teoria do Big Bang. Talvez um dia tudo acabe mesmo. E enquanto lutarmos pela permanência das coisas e pela permanência de uma crença simbiótica de proteção, amparo e segurança, não conseguiremos transcender os limites do traço narcísico e de tudo aquilo que a matéria proporciona como pseudo-garantias. Transcender a este limite significa aceitar a própria condição humana, limitadora e insuficiente. Aceitar os erros, os tropeços, os equívocos, para fazer deles a maior aventura humana na Terra: a aventura do aprendizado dos sentidos que vamos dando para a experiência humana. Isto significa vida em plenitude. Isto é, quando paro de competir para chegar a um determinado resultado e passo a admirar a paisagem que está a minha volta, admirar e experimentar todas as coisas que surgem no caminho.

Quando não aquieto meu ego que luta pela minha sobrevivência, apenas tentando me defender de parte da minha vida, eu me fragmento e fragmento a minha existência. Vou picotando minha vida. É como comer o pão e esquecer o recheio. Como dizia Clarice Lispector:

“Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!”.

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