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Pai-Canguru

05/08/2020

Fala-se muito da importância da "figura materna" na vida emocional do filho e no seu desenvolvimento: existe a função da mãe como “espelho” do filho nos primeiros anos, seguida da importância do “olhar” da mãe". Em uma frase poética, Donald Winnicott afirma: "o primeiro espelho da criatura humana é o rosto da mãe, sobretudo o seu olhar. Ao olhar-se no espelho do rosto materno, o bebê vê a si mesmo". Daí a importância do "olhar da mãe", desse espelho. Porém, nunca se discutiu e se analisou tanto a função do pai como na atualidade.Atualmente os psicanalistas fazem uma releitura no que se refere ao desenvolvimento do indivíduo, a formação do self (o “eu” que o caracteriza e o diferencia do todo) também por meio da função da figura paterna que antigamente era tida como secundária neste processo. Com o surgimento de novas constituições familiares (já não se vê tanto a família nuclear e/ou dita tradicional), o processo de identificação - por meio das figuras parentais - implica muito mais no significado e no exercício das funções esperadas na figura de seus progenitores e cuidadores do que propriamente no gênero.

Podemos dizer que um casal homoafetivo que decide adotar uma criança ou concebê-la por outro método, também poderá administrar esta questão de um modo funcional, por vezes diferente de outras famílias ou casais heterossexuais. Contudo, podem desempenhar as funções que vão ajudar a criança em seu desenvolvimento. A criança, filha de homossexuais, não necessariamente será homossexual. Os espelhos podem refletir as funções esperadas para o seu bom desenvolvimento (o reconhecimento de sua verdadeira identidade). O feminino e o masculino retratados pelas figuras parentais não necessariamente deva comportar a ordem do "gênero". Portanto, o processo de formação do self e posterior identificação não dependem exclusivamente dos estereótipos criados pela sociedade para cada figura parental.

Podemos citar outro exemplo, ainda que seja no âmbito de casais heterossexuais: a função de continente (“mãe suficientemente boa”) que compreende as necessidades do seu bebê, de seu filho, incluindo as psicológicas, já pode ser vista, por exemplo, nos pais-cangurus, no homem que também exerce esta função maternal (o que já não é exclusivamente da mulher). As funções podem se alternar. Veja:

Segundo pesquisa da Jornalista Daniela Tófoli, intitulada “Pai vira “canguru" em UTI neonatal de hospitais”: "o objetivo é estimular o desenvolvimento de prematuros com o contato corporal. Este projeto foi implantado no SUS em 1999 e oferecido também em maternidades particulares, programa que é mantido até que os filhos ganhem peso. A cena chama a atenção. Uma fila de homens com o figurino de enfermeiros se forma na entrada da UTI neonatal. De personagens coadjuvantes, eles passarão a protagonistas. Vai começar mais uma sessão do projeto pai-canguru!"

Criado para que as mães de bebês prematuros ficassem junto aos filhos enquanto eles ganham peso, passando o calor do corpo e a sensação de proteção que tinham no útero, a técnica para desenvolver os recém-nascidos tem atraído os pais para as UTIs neonatais de maternidades particulares, principalmente de manhãzinha ou no fim da tarde, quando não estão trabalhando. O que mais chama atenção é o interesse destes homens neste projeto, o que muda radicalmente a visão que tínhamos no passado: de que esta função (maternagem) seria propiciada quase que exclusivamente pela mãe (mulher).

Contudo, o que realmente conta é que para a formação da personalidade é bom pensarmos que as crianças têm não somente o amparo da mãe, mas podem contar com a figura do pai. E, mais, que não se trata apenas de gênero (homem-mulher), haja visto a constituição familiar de homossexuais que têm filhos e que estão administrando bem suas funções. Entretanto, há que se ressaltar a importância de tantas outras “figuras substitutas” que podem exercer muito bem a função parental que nutrirá as necessidades psicológicas, de estima e validação de uma criança, que contribuirá significativamente tanto na estruturação da psiqué quanto na formação da personalidade do indivíduo.

Cada vez mais estamos sendo estimulados a romper as barreiras do preconceito e compreender essa nova realidade: de que as funções parentais, de pai e mãe, podem ser exercidas dentro de uma configuração familiar que não obrigatoriamente deva se dar nos modelos do passado. Algo novo está sendo apresentado e nossa mentalidade, com certeza, ainda não está preparada para assimilar as diferenças sem se sentir "violado" em seus princípios ou crenças. Mas uma coisa é certa: é necessário mudar a visão que tínhamos.

O que importa, o que deve ser compreendido por todos nós: seja em casais homoafetivos ou em casais heterossexuais, o mais importante é não perdermos o foco que são as funções esperadas numa família que tem por objetivo estimular adequadamente seus membros para um processo contínuo de aprendizado e evolução. O resto são crenças disfuncionais.

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