PÁGINA DA NOTÍCIA

O Medo de Amar e o Medo de Ser Livre

26/01/2021

A repetição das escolhas afetivas, motivadas inconscientemente, se dá com base nas nossas defesas psicológicas. Contudo, este movimento interno e inconsciente pode nos levar a possibilidade de clarificar nossas escolhas, sobretudo, quando o sofrimento não conseguir mais ser evitado ou contornado pelos mecanismos defensivos da nossa mente.

Sigmund Freud, na construção da teoria psicanalítica, descreve o mecanismo inconsciente da repetição com muita propriedade. Isto, após abandonar a técnica da hipnose e começar a desenvolver a técnica da associação livre. Freud afirmava que para elaborar o conflito seria necessário recordar e repetir.

Uma das formas de elaboração do conflito contido no trauma original é quando o paciente vence as barreiras da resistência psicológica, as camadas geradoras desse mecanismo defensivo, as quais protegeriam o paciente da dor que poderia novamente experimentar, uma dor negada, recalcada em seu inconsciente, mas que encontra uma brecha na repetição da escolha afetiva.

Estas camadas de defesa psicológica vão se formando para segurar o dique que contém o afeto vinculado ao trauma sofrido. Elas podem ser construídas ao longo de muitos anos para manter o recalcamento. Assim, as escolhas pessoais vão sendo afetadas por este mecanismo defensivo e pela parte que está encoberta. Podemos recalcar, mas não podemos suplantar o conflito original.

As escolhas motivadas pelo inconsciente ocorrem na tentativa de buscar uma via de acesso e de escoamento deste reservatório emocional com o propósito de acomodar este conflito, mas não resolvê-lo. Uma manobra inconsciente perfeita que protegeria o sujeito da dor primária ou da ferida narcísica. Por esta manobra de manipulação inconsciente, realizada pelos mecanismos de defesa psicológica, vamos escolhendo nossas parcerias afetivas, nossos afetos, entre outras portas por onde vamos entrando.

Muitos casamentos estão fadados ao fracasso quando os parceiros escolhem um ao outro (inconscientemente) para tamponar o vazio que aprisionaram por traumas sofridos no passado. Tornam-se verdadeiros aliados no combate ao conflito original (uma verdadeira batalha contra o abandono e a rejeição). Podem viver uma vida inteira se defendendo de suas próprias sombras. Podem, inclusive, viver precariamente uma relação por medo de ficarem “sozinhos” e se depararem com a possibilidade de ruptura desse dique.

Felizmente muitas pessoas procuram a psicoterapia para trazer à luz esse sofrimento que apenas troca de endereço.

Podemos usar de todos os subterfúgios para acobertar de nós mesmos esta realidade dolorosa, começando pela negação do conflito até chegar ao adoecimento psíquico. Colocando em risco, muitas vezes, a nossa própria integridade física. Exatamente como o psicanalista Carl Jung afirmara (in A Prática da Psicoterapia):

“Não há despertar de consciência sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma. Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão.”

É sabido por todos que a tendência do ser humano é a acomodação, a negação do conflito para evitar a dor. Reagimos assim também quando precisamos de um remédio amargo ou doloroso para tratarmos uma “doença” ou um “mal-estar”. Porém, o remédio amargo é necessário porque o movimento do nosso inconsciente, o nosso “Dique” ou reservatório de emoções, e coisas mal resolvidas, irá sempre nos pressionar, trazendo a repetição daquilo que mantemos recalcado: o “oculto” (o conflito intrapsíquico). Isto para que possamos escoar essa água turva e com odor desagradável.

Tememos o que mais desejamos: o amor e a liberdade.

Mas o amor e a liberdade somente poderão ser alcançados se encararmos a dor, nossos “fantasmas do passado”. Poderemos ter melhores chances de escolhas conscientes e acertadas, escolhas pautadas na realidade de um verdadeiro self, um verdadeiro eu, se abdicarmos do poder em detrimento do amor sem reserva, comprando todos os riscos que desde sempre alimentamos e nos defendemos por meio das vivências traumáticas.

O amor e a liberdade precisam, para andarem de mãos dadas, de uma consciência plena de quem somos (do que nos retrata melhor, o que nos caracteriza melhor). E isto também pode ser traduzido por “paz de consciência” ou “paz de espírito”, quando estou em paz com as minhas escolhas. Quando estas escolhas também me retratam.

Quando fizermos escolhas que respeitam nossa maior integridade enquanto sujeitos, que é a nossa verdadeira individualidade (totalidade e inteireza do SER), teremos a chance de embarcarmos numa aventura emocional repleta de crescimento e desenvolvimento de nossas potencialidades afetivas.

Sejamos mais autênticos, mesmo que isso exija passar pelo vale das sombras do nosso inconsciente. A travessia é necessária e valerá tê-la feito.

Vamos atravessar!

Compartilhe: