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Efeito anestesia. O que está acontecendo conosco?

29/11/2020

Tenho observado uma espécie de anestesia nas pessoas. Estaríamos vivendo em estado de negação da realidade? Utilizando-nos de uma defesa psicológica para minimizar o impacto gerado pela pandemia da Covid-19, divulgando "tratamento precoce" não validado cientificamente, entre outras formas de negação, podemos estar contribuindo para o aumento das mortes em razão do comportamento irresponsável de muitos que negam a realidade. Ao negar a realidade acreditando em tratamento precoce, minimizando a gravidade, muitos relaxam no cumprimento do protocolo de prevenção à contaminação.

Nos últimos anos o povo brasileiro tem enfrentado uma brutal realidade. Enfrentamos um contexto caótico na política, na economia e em todas as estruturas hierárquicas, onde a esfera militar mistura-se à politica atual. Uma explícita tentativa de desconstrução dos processos científicos, da ética profissional e das esferas hierárquicas que garantiriam a proteção e a segurança da população. Este desmoronamento de fortes convicções das políticas sociais, da ciência e das hierarquias responsáveis pela manutenção da ordem e da segurança da população vem assolando o nosso povo que fica confuso diante do desenrolar dos fatos. Diante do desenrolar da CPI da Pandemia, entre outras investigações, estamos à mercê da nossa própria sorte. Muito além da corrupção, vivemos a Era da Mentira. Esta é a maior ferramenta de trabalho de alguns políticos que polarizam (dividem) para reinar. A maior ferramenta é a manobra de informações equivocadas, distorcidas e uma vasta gama de mentiras promovidas no intuito de confundir as pessoas e levá-las ao resultado manipulado.

A sensação de perda total da confiança nas estruturas políticas e sociais que garantiriam o atendimento das necessidades básicas da população como segurança, empregabilidade, educação e saúde, traz um forte sentimento de desamparo emocional e social. E sem confiança não há garantia de vínculo. Sem a garantia do vínculo não há conexão entre as pessoas e o sintoma de isolacionismo e alienação ,provocado pela percepção de estarmos vivendo em “terra-de-ninguém”, toma conta de todos nós. Passamos a experimentar o resfriamento das emoções e a consequente conformidade. Uma estratégia de adaptação da nossa estrutura psíquica para vivermos ou suportarmos o caos instalado na sociedade brasileira.

A crise que se alastra no País trouxe um desafio ainda maior para os brasileiros: o atraso no pagamento dos salários dos profissionais da saúde, da educação e da segurança. O pagamento fracionado dos salários destes profissionais que garantiriam a proteção, a segurança, ou seja, as necessidades básicas, trouxe um agravante para a sociedade. Entramos em colapso social. A violência começou a tomar conta de muitas cidades. Rio de Janeiro contabilizando mortes como se estivesse em uma guerra civil. Porto Alegre também. E atualmente Caxias do Sul tem sido notícia nos telejornais e nas páginas policiais . Até mesmo as cidades do interior não se sentem mais seguras. Não é uma visão pessimista, a estatística comprova, é a realidade em que todos nós estamos inseridos.

De tudo, o que chama a minha atenção é o resfriamento das nossas emoções. Estamos ficando refratários aos acontecimentos. Os brasileiros foram às ruas, reagiram em razão dos acontecimentos na política, reivindicarem seus direitos, bateram panelas nas janelas de suas casas, mas voltaram a entrar num processo de apatia, de desesperança, de derrota. As decepções foram tantas (e continuam sendo) que parece não termos mais energia para reagir frente a elas.

Aliás, lembrando, recentemente uma vítima de estupro foi acusada e sofreu assédio moral em plena audiência judicial, local onde deveria ser defendida. Invertemos a ordem das coisas. A vítima, muitas vezes, passa a ser responsabilizada pelas agressões sofridas.

Vivemos tempos de barbárie, onde a sociedade acusa e condena suas próprias vítimas.

Estamos vivenciando a inversão da ordem dos valores humanos e sociais. E isso tem nome: perversão. A crueldade que cometemos entre nós mesmos é visível. Não é possível maquiar. Retrato de uma política de descaso e completo abandono. Não podemos ficar refratários mesmo que a nossa condição, no momento, seja de abandono das nossas lideranças e o uso de defesas psicológicas frente a esta esta omissão e negligência, haja visto a demora da compra das vacinas.

Espero que a população não repita mais, nas próximas eleições, o modelo das lideranças que infelizmente dá às costas para seu povo e nega a ciência, a educação, a cultura e a empatia entre todos nós. Que possamos reagir não apenas gritando nas ruas e batendo panelas nas janelas dos nossos lares, mas efetivamente mudando essa estrutura invertida de valores éticos e morais que vigora em nosso meio. É hora de acordar nossa consciência coletiva!

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