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Educar somente para o trabalho ou educar também para a vida?

19/06/2023


Vivemos tempos difíceis. Enquanto a economia do país tenta se equilibrar diante de tantos desafios, diante de tantas necessidades, a crise maior que atravessamos está na área da educação. Nunca antes se ouviu falar em tamanha violência porquanto nossos jovens vêm sofrendo. São crianças sendo assassinadas pelos seus próprios pais, adolescentes morrendo por consequência das drogas e da prostituição. Nunca ouvimos falar tanto em "Bullyng" e em "depressão infantil". Mas qual a razão para esse caos coletivo?
Nunca se noticiou tantos casos de porte de armas de fogo apreendidas na rede de ensino, em escolas públicas e privadas, ameaçando o que deveria ser invariavelmente preservado: a segurança e a proteção oferecidos por um ambiente destinado ao aprendizado, à criatividade e ao desenvolvendo das potencialidades dos nossos jovens. Um ambiente destinado exclusivamente para a formação do ser humano e o exercício de sua cidadania. Ficamos estarrecidos, petrificados diante das imagens veiculadas por todos os canais abertos de televisão e pela internet. Cenas que chocam a população brasileira e o mundo. Sem entender o que está motivando esses crimes hediondos dentro das famílias, das escolas e universidades, nossa sociedade tenta consertar com uma mão o que com a outra destruiu há muito tempo.
Esses seres humanos, com escassos recursos internos, incapazes de conter seus impulsos destrutivos e aniquiladores, são produto da nossa educação. Da educação que prima por uma liberdade sem limites, sem fronteiras. São pessoas com baixíssimo limiar à frustração, com precário controle interno e muita intolerância. Nossa sociedade se tornou mercantilista, tarefeira e robotizada. Perdemos o que deveria ser a mola mestre de todas as nossas ações. Sucumbimos diante dos efeitos colaterais produzidos por pura negligência. Negligência das autoridades que não conseguem mais desempenhar o seu real papel pois não ocupam mais este lugar, são reprodutores de um sistema econômico que impõe a inversão dos valores em nossa sociedade, dos valores éticos e morais, os quais, antigamente, preservavam o equilíbrio e a segurança.
Nossas autoridades, por um sistema judiciário arcaico e pouco efetivo, não têm mais força suficiente para garantir a ordem e o equilíbrio necessário à preservação da saúde mental de nossos cidadãos. Adoecemos! Estamos vivendo um verdadeiro caos na educação pela inversão da ordem das coisas, pela complacência da lei, pelos valores sociais e humanos substituídos pela tecnologia da informação que promove a super estimulação e a super valorização das máquinas em detrimento do humano.
Estava ouvindo, por esses dias, uma entrevista do professor e sociólogo Domenico De Masi. Ao ser indagado sobre a necessidade de uma reforma na educação para conter a violência que assola nosso país e o mundo, Domênico declara:
“A escola deve formar para o amor e para a beleza. Não deve educar somente para o trabalho, deve educar para a vida. A escola contemporânea tem formado pessoas tristes porque formam só para o trabalho. Mas o trabalho representa somente um décimo de nossas vidas. O ser humano vive também para o estudo, para a aprendizagem, para as amizades, o amor e a beleza. A escola deixou de ser atraente. A escola mais atraente é a que o tempo inteiro se joga, se estuda e se trabalha, tudo ao mesmo tempo. Ou seja: uma escola com muito "ócio criativo” (título de um de seus livros mais lido no Brasil). Nas 300 páginas do livro, Domênico afirma que além do trabalho e do estudo, é preciso tempo livre para estimular a criatividade, a inovação que move o mundo de hoje. Ele acrescenta: “Primeiro, a educação era de poucos para poucos. Segundo, a educação era de poucos para muitos. Depois, com a enciclopédia na internet e as redes sociais, a educação tornou-se de muitos para muitos. Mas a internet não pode ser uma mania. Ela é um instrumento que potencializa todos os outros instrumentos”.
E o repórter, ao entrevistá-lo, perguntou:
- Mas o que é fundamental para garantir o bom trabalho dos mestres?
Domênico respondeu:
- O salário não é o principal fator. Os principais fatores são: a cultura e a paixão. Só que o governo não deve aproveitar a paixão do professor para pagar pouco.
Domênico De Masi, professor e sociólogo respeitado no mundo inteiro, participou da Feira de Educação que aconteceu há alguns anos, na capital paulista. Ele defendeu investimento forte na escola pública para ver nascer grandes talentos. E ainda afirmou: “A inteligência não está só na classe rica, está também na classe pobre. A escola pública é indispensável para desenvolver a inteligência popular”.
Assim a matéria foi encerrada com a seguinte frase: “Para termos uma “Dolce Vita” é preciso trabalho, criatividade e lazer, que é o ócio criativo”.
As escolas perderam o caráter criativo e, portanto, educativo. As escolas se tornaram centros de preparação para uma sociedade agressivamente competitiva, que visa o lucro pelo lucro. Não há espaço, nem tempo para a discussão de temas relevantes como a ética, os valores humanos e uma profunda reflexão sobre a linguagem do mundo, desenvolvendo o espírito crítico em seus alunos. Infelizmente a escola e a família estão à serviço de uma sociedade altamente consumista e mecanicista. Não há espaço para o ócio criativo, não há estímulo para o desenvolvimento da criatividade, muito menos para um questionamento profundo das relações que estabelecemos com o mundo.
Na verdade esse tema é recorrente. Mas o que é preciso para que nossa sociedade desperte deste sono profundo, embalado pelas redes do capitalismo desenfreado e sem sentido? Quantos inocentes irão pagar por crimes que nós motivamos na medida em que estamos trabalhando apenas de forma corretiva e não preventiva? E isto se reflete em todos os setores da nossa sociedade. Quantas vezes iremos eleger as mesmas figuras "partidárias" que visam apenas perpetuar esse sistema de corrupção que acaba privilegiando poucos em detrimento de muitos, mantendo esse desequilíbrio social, o qual tenta ser compensado com tamanha violência? As mortes no nosso país, ocasionadas por crimes de diversas origens, alimentadas pela impunidade, não seria uma forma da sociedade se rebelar, demonstrando o caos instalado por esse  sistema de corrupção?
São muitos os adultos que chegam ao meu consultório pedindo ajuda para sustentar melhor sua vida, sua família, seu trabalho. São pessoas que perderam seu referencial e se mostram incapazes de sustentar a si mesmos e seus relacionamentos. São pessoas que estão amedrontadas com o rumo do nosso país. O que houve com a educação? Qual é o nosso papel diante desta demanda? Cadê os adultos que deveriam estar providos de uma capacidade egóica que os levaria a sustentar relações funcionais e gratificantes? Por enquanto, fica esse recado, enviado por uma colega, através da charge do cartunista argentino Quino:
"Você não é um ser humano que está passando por uma experiência espiritual. Você é um ser espiritual que está vivenciando uma experiência humana." Wayne W. Dyer
Portanto, lembremo-nos disso: somos, sim, seres espirituais vivenciando experiência carnal. A matéria fica, apodrece, vira pó! E o nosso espírito? E a nossa consciência? E o legado que deixaremos para nossos filhos, amigos, para a sociedade? Como diz o professor e filósofo Mário Sérgio Cortella: "Afinal, qual a tua obra?" É de se pensar!
 

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