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E você, Pai, o que tem feito da sua vida?

06/08/2020

Se nascemos em meio a um propósito (expectativas), que destino teria sido reservado para nossa vida? Aprendemos desde cedo a cumprir ordens reproduzindo padrões comportamentais em nosso meio. Esse movimento que insinua sutilmente o que devemos fazer é o mesmo movimento que nos mostra quem “devemos ser”. Recebemos um script ao nascer, um roteiro previamente escrito com direitos autorais reservados aos nossos progenitores.

A genética do comportamento humano propõe uma dança e um ritmo, impresso em cada sistema familiar. “Dançar conforme a música”, eis o ditado popular que mais se parece com o que vivenciamos em nossa vida pregressa. Pois bem, esta parece ser a ordem que o sistema familiar propõe como uma garantia para o pertencimento ao clã.

Mas o que acontece com aquele que traz em seu “DNA Comportamental” um quantum de energia vital associado ao desejo pulsante para ser ele mesmo, para compor letra e melodia e, então, dançar a sua própria música? O que acontece àquele que, na sua programação genética somado a algum estímulo, decide deixar de ser o coadjuvante para ser o protagonista da sua história de vida?

É esperado dos pais que a criança seja estimulada visando assegurar sua individualidade na família e na sociedade. Contudo, dependendo da história pregressa de seus pais, nem sempre esses estímulos serão apresentados à criança. Pais que passaram pela vivência (trauma) do abandono e do conseqüente desamparo emocional tendem a superproteger seus filhos, pois não conseguem se ver separadamente deles. Assim, não permitem a autonomia necessária à individuação pelo medo de perdê-los. Outros tendem a repetir o mesmo modelo apreendido: não suportando as investidas da criança, punem qualquer iniciativa e castram a tentativa de independização (individuação).

Alguns filhos podem desencadear processos psicossomáticos na tentativa de obterem o real reconhecimento e a sua validação. Há, neste caso, uma constante luta pela libertação. São os chamados "opositores".

Outros, para não se tornarem reféns da história dos seus antepassados, optam por saírem precocemente da casa de seus pais buscando uma independência idealizada. Tornam-se independentes economicamente, profissionalmente, mas a sombra de um passado de padrões repetitivos os acompanha e os coloca em situações semelhantes, trazendo prejuízos em sua vida. Assim, com grande dificuldade em relacionamentos afetivos, vêem-se ilhados no seu triste destino: o medo da intimidade. Aprenderam que a intimidade (a entrega na relação) representa uma grande ameaça, acreditando que tal intimidade os levariam à dominação e a consequente sujeição. Desta maneira, mantém-se afastados desta possibilidade. Temendo o risco iminente da perda ou do abandono, podem acabar sendo vítimas de si mesmos através da escolha conjugal ou afetiva que contribuiria na reprodução deste mesmo modelo de funcionamento (dependência-sujeição), trocando seis por meia-dúzia.

No entanto, uma criança que nasce com a tendência a ultrapassar os limites da dinâmica familiar, indo além do previsível, jamais conseguirá “dançar conforme a música”.

Algumas crianças adotam outro papel, o do "cuidador". Alice Miller, psicanalista renomada, diria que o destino dessa criança seria o mesmo daquela que vive "O drama da criança bem dotada”. Dotada de uma percepção ampla a respeito das necessidades do meio onde está inserida, tentaria corresponder à demanda familiar, obviamente em busca do amor, da aceitação, do pertencimento e do reconhecimento dos “seus”, colocando-se a serviço das necessidades emocionais de seus pais.

Também podem se tornar leais (por demais) à ordem familiar, quando reproduzem certos comportamentos ou quando colocam-se à disposição para atender a qualquer necessidade apresentada. Este é o “drama da criança bem dotada” que acumula dívidas afetivas por achar que tem melhores condições que as da sua família (ego vaidoso e fantasia onipotente alimentam essa primeira identidade). Ser melhor que seus pais e seus irmãos pode lhe custar muito caro. O preço a pagar talvez seja a submissão e a restrição dos ganhos reais produzidos por suas capacidades, colocando-as sempre à serviço de outros. São os chamados "doadores".

Em outro sentido poderíamos dizer que até mesmo aqueles que rompem com um legado ou um mandato de família estariam assim o fazendo para cumprir com um papel esperado dentro do próprio sistema familiar. À exemplo, nossos antepassados, tão presentes e atuantes em nossa “genética comportamental”, poderiam deixar como legado o papel do opositor para que alguém possa modificar a trajetória deste sistema.

A coragem em romper com o script pontuaria uma saída inteligente para este dilema. Ao escrever a sua própria história ressignificando a história passada e contada, imprimindo novas cores e nuances, se demarcaria um novo território dentro do próprio sistema familiar, assegurando a autoridade que lhe foi negada, ou a que você mesmo negou. Este é um dos objetivos presentes no processo da psicoterapia: resgatar o seu lugar e a sua verdadeira identidade familiar.

Contudo, romper legados e/ou mandatos de ordem familiar não é tarefa fácil. Deixar de atender a ordem do sistema não é fácil. É preciso coragem para erguer a sua própria bandeira e se emancipar. É parecido com a estória do “Patinho Feio” que, à luz da verdade, não tinha nada de feio. Era um Cisne. E o Cisne é uma das aves consideradas nobre por sua elegância e beleza.

A fantasia que limita o despertar do sujeito que habita em você, este sujeito nobre e elegante, é aquela que nutre a sensação de que se perderia um lugar no grupo familiar, seu espaço e seus afetos, se você se revelar (e se rebelar). Ser você mesmo não invalida este seu direito, adquirido a partir do seu nascimento. É possível deixar de ser “aquilo” que lhe foi delegado ou esperado de você, para ser aquilo que você é.

É verdade que quando conseguimos tal autenticidade (honestidade), tememos perder o amor das pessoas que amamos por desagradá-las.

Mas, na medida em que crescemos e ganhamos autonomia suficiente (maturidade emocional) através de uma consciência ampliada, podemos fazer a nossa escolha e esta escolha pode, sim, diferenciar-se do meio ou do que é considerado padrão de comportamento esperado.

Lembre-se: quando poderiam estar à serviço de uma vida padronizada (repetitiva) para sentirem-se aceitos e “amados” no grupo, os cisnes encontram uma saída mais construtiva para sua vida e, por vezes, definitiva. Eles se reconhecem na sua própria pele. E você? O que tem feito da sua vida?

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