PÁGINA DA NOTÍCIA

Dos prazeres e desafios de viajar sozinho

05/05/2023

Dos prazeres e desafios de viajar sozinho

É inegável que para viajar sozinho é necessário ter um espírito aventureiro, um espírito desbravador. É necessário, contudo, ser um buscador. Ou seja, buscar permanentemente autoconhecimento.
Pessoas que possuem um perfil conservador (termo empregado aqui com vistas a um padrão mental que visa essencialmente o controle de resultados) podem se sentir muito inseguras diante da imprevisibilidade da vida, diante da mudança de rota inesperada ou de alterações rápidas de planejamento. 
Viajar sozinho implica em total liberdade e autonomia. A começar pela escolha do destino. Você precisa escolher o seu destino e para isso todas as outras inúmeras opções precisam ser refutadas para que você eleja uma primeira rota. Somente neste item você faz um importante exercício de autonomia.
Todas as nossas escolhas possuem uma parte inconsciente, que é feita por necessidades ainda não reveladas. O prazer de viajar sozinho também propicia essas (re)descobertas. Pelo caminho você vai descobrindo porque escolheu tal destino, porque está fazendo essa rota e qual o sentido da sua escolha. O caminho vai ficando interessante, cada vez mais interessante, motivações inconscientes começam a surgir, desejos, anseios, tudo vai clareando e você passa a ter um encontro com você mesmo.
É muito fácil nos “desconectarmos” da nossa essência. O movimento social que a nossa sociedade propõe diz que você não pode ser verdadeiro, autêntico, não pode ser transparente, não pode falar o que pensa sem antes pedir permissão à "Senhora Sociedade" e seus padrões. A sociedade diz que para pertencer ao bando e obter os ganhos secundários deste pertencimento (permutas), você tem que usar uma máscara, em outros termos, você tem que saber jogar o jogo. O jogo do “faz-de-conta”. O "jogo do contente". Quanto mais “mascarado” você estiver, mais pertencimento terás na sociedade. Pelo menos essa é a promessa que esse movimento social reforça. Então, quando viajamos sozinhos, não precisamos de máscaras, não precisamos “fazer de conta”. Ainda mais se nos distanciarmos da cultura da nossa cidade natal ou de onde moramos. Quanto mais distante dos “ensinamentos” e crenças limitantes, mais verdadeiro você se torna.
Comete-se uma gafe, responsabiliza-se por ela; se precisa de ajuda porque algum imprevisto ocorreu, você logo pede ajuda e mostra sua vulnerabilidade; se você se perde na estrada, vai precisar mostrar que errou o caminho e vai pedir ajuda. Aliás, o que se aprende muito nas viagens solitárias é que realmente NUNCA SE ESTÁ SÓ. Estamos cercados de humanos e até de animais que podem nos ajudar ou simplesmente compartilhar suas experiências conosco e vice-versa. Há uma comunhão, uma conexão que se dá sem interesses politiqueiros.
Aprendemos, ao viajar sozinhos, que solidão é uma ilusão. Nem se quiséssemos muito estar completamente sós, assim conseguiríamos. É impossível estar ou ficar sozinho neste mundo. A sensação de solidão está dentro de você e não fora, mesmo na companhia que possa te cercar. Se você sente essa solidão, alguma coisa não está bem dentro de você.
Eu AMO viajar sozinha. Gosto muito também de viajar com meus afetos, mas viajar sozinha tem um gosto diferente. É uma entrega total que faço. É o retorno para a minha casa. Preciso apenas me atender, me acolher, me mimar, me amparar, me ajudar, cuidar bem de mim.
Outro grande aprendizado é este: “Cuidar bem de você!”. Geralmente esperamos isso do outro e quando o outro não pode realizar esta tarefa ficamos tristes, chateados, amargurados. Como se esta tarefa fosse realmente da responsabilidade do outro. Não é! É nossa tarefa cuidar bem de nós mesmos e compartilhar nossas experiências com o outro. A entreajuda é primordial, é a ferramenta principal para o nosso aprendizado, mas não podemos esquecer da nossa autonomia. Aprendemos com os outros. Não devemos depender exclusivamente do cuidado dos outros, a não ser em casos em que a nossa autonomia estiver diminuída por razões da impossibilidade de agirmos sozinhos. Quando não preservamos nossa autonomia e a capacidade de gerir nossas necessidades, geralmente enfraquecemos e reduzimos nossa autoestima. Perdemos a chance de experimentarmos o prazer das nossas conquistas e desta conexão maravilhosa que é acessarmos nossa essência e nosso espírito.
Ter espírito de buscador é necessário para viajar sozinho. O buscador tem interesse genuíno pela vida, pelo mundo, por tudo que está dentro e fora dele. Você tem que querer mais do que estar dentro da “caixa”, dentro dos moldes que o sistema impõe. Ouvi de uma pessoa muito bacana que encontrei na Praia do Rosa, que nós somos o “óleo desta grande engrenagem chamada sistema”. Triste constatação. Às vezes precisamos deixar de lubrificar as outras engrenagens para cuidar da nossa.
O espírito buscador é aquele espírito permanentemente inquieto, ele não se acomoda, quer saber mais e mais sobre você, quer testar seus limites, quer saber o que você guardou na caixa preta do seu inconsciente, quer abrir a caixa preta, quer que você experimente novas emoções e, acima de tudo, quer que você encontre a sua paz sem precisar se sujeitar ou se submeter ao jogo do “faz-de-conta” que estamos todos satisfeitos e felizes por morrermos abraçados neste grande baile de máscaras.
Viajar sozinho é viajar na sua companhia. Se você for uma boa companhia para você mesmo, assim o será para os outros.
De tudo, fica cada vez mais presente para mim a percepção que somos feitos desta mesma matéria, mas somos muito mais do que isto. Em essência somos o que sentimos - o que pensamos - e a soma das nossas experiências vividas.
Feliz vida real, feliz descobertas e redescobertas a todos!

Compartilhe: