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Dia 18 de Maio: Luta Antimanicomial

19/05/2023

No dia dezoito de maio reforçamos a importância da luta antimanicomial e segundo sua lei elaborada por decreto de número LEI Nº 10.216 DE 06 DE ABRIL DE 2001: “Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”.
É importante destacar que o “Movimento da Reforma Psiquiátrica” se iniciou no final da década de 70, em pleno processo de redemocratização do país, e em 1987 teve dois marcos importantes para a escolha do dia que simboliza essa luta, com o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, em Bauru/SP, e a I Conferência Nacional de Saúde Mental.
Mas o projeto de reforma psiquiátrica foi apresentado somente em 1989 pelo então deputado Paulo Delgado (MG). E após 12 anos o texto foi aprovado e sancionado como Lei nº 10.216/2001, ficando conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, Lei Antimanicomial e Lei Paulo Delgado.
De tudo que dispõe a lei antimanicomial, quero apresentar aqui uma reflexão sobre o processo de adoecimento psíquico para que possamos compreender definitivamente que a lei assegura, àquele que carrega a disfunção familiar e social, não ficar à margem da sociedade, muito menos rejeitado e sofrendo agressões e violências dentro dos centros psiquiátricos. Exatamente como acontecia nos antigos manicômios, na época do encarceramento dos “doentes”.
Portanto, os transtornos psíquicos e suas comorbidades nunca nascem de forma isolada do contexto social. São diversos aspectos que compõem o cenário daquele que é rotulado como “doente mental”.
Geralmente são pessoas que sofreram traumas na família, com reforços na sociedade. Qualquer um de nós poderia estar neste lugar se não tivéssemos sido resgatados por vivências que trouxessem a possibilidade de ressignificar nossos traumas. Nem todos têm essa sorte.
Nem todas as pessoas passam por lares funcionais ou com os estímulos adequados para seu bom desenvolvimento. Aliás, o conceito de família funcional já está caindo em descrédito visto que a humanidade, na sua totalidade, sofre grandes desafios e numa sociedade pós-moderna temos de lidar muito mais com estressores de ambiente e estímulos nocivos à saúde psíquica e integral do que os nossos antepassados, haja vista tantas epidemias e pandemias e doenças que eram consideradas do final da existência da vida, hoje são comuns nos jovens de tenra idade. São múltiplos fatores que infelizmente contribuem para a diminuição da saúde mental.
Com tantos desafios e mutações que o nosso planeta sofre não podemos mais usar o título de “família ou sociedade funcional”, mas podemos pensar em “famílias em desenvolvimento”, “sociedade em desenvolvimento”. Uma sociedade que precisa desenvolver uma nova identidade social.
O “louco” de ontem é o mesmo de hoje, é aquele que reclama sobre todas as formas de abusos sofridos, é o “Bicho de 7 cabeças”, brilhantemente interpretado pelo ator Rodrigo Santoro. É o bicho das 7 cabeças que ele carrega frente a uma morbidez social que visa sempre negar e recalcar a “doença”, negar o mal que aflige a todos, negar o que incomoda a padronização de comportamentos aceitáveis e convenientes. Esses “loucos” são apenas pessoas mais sensíveis e hipersensíveis ao meio. 
Portanto, o “louco” é que precisa ser resgatado das trincheiras criadas para que ele permaneça excluído e rejeitado na sua forma de expressar a desordem na qual todos nós estamos inseridos.
Aquele que carrega a loucura social é a pessoa sã, é a pessoa que denuncia o que não vai bem, o que fede, o que cheira mal, o que nos intoxica, é aquele que denuncia as diversas formas de agressão e violência sofrida. São os excluídos. Os ditos “loucos” não existiriam numa sociedade inclusiva, respeitosa, em ambientes seguros, saudáveis e propícios ao desenvolvimento da sua saúde mental.
Os “loucos” carregam as loucuras da coletividade. Em primeira e última instância são considerados o “P.I.”, o “Paciente Identificado”, aquele que não suportou o abandono, a violência, a exclusão e por não suportar saiu gritando, “surtando”, quebrando tudo às vezes para apenas ser ouvido, visto, reconhecido e incluído sem distinção ou preconceito.
Nise da Silveira, uma psiquiatra renomada, uma revolucionária para sua época, nasceu em 1905 em Maceió, Estado de Alagoas. Formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia em 1926, dedicou-se à psiquiatria sem nunca aceitar as formas agressivas de tratamento da época, tais como a internação, os eletrochoques, a insulinoterapia e a lobotomia.
Nise nos ensinou que precisávamos interpretar os símbolos utilizados pelos pacientes psiquiátricos em seus desenhos, pinturas e na forma de se expressar. Nós, os “ditos normais” somos os “débeis mentais”, os ignorantes que não conseguem penetrar esse mundo de signos e linguagens que ultrapassam e perfuram nossas próprias máscaras sociais. Nise foi o exemplo perfeito de uma humanista que entendia que cada ser humano ocupava um lugar neste planeta com a sua própria identidade, com a sua forma de ver e conviver, de expressar o que sente e reivindicar sempre uma melhor convivência entre seus pares pela busca de aceitação. Somos parte do todo e cada um carrega uma parte dessa totalidade.
Muitas famílias excluem o seu “doente mental”, que geralmente é a pessoa mais saudável por sentir na carne e na alma as distorções do meio, as perversões, as faltas, a violência que todos cometem e sentem.
A loucura é o retrato do sistema familiar e social. Não pode ser isolada, ela é parte de todas as nossas pautas reivindicatórias. É a forma como incluímos (ou não) aquele que é único, e muitas vezes diferente do padrão aceito.
Finalizo minha breve reflexão com a fala da nossa Mestre e Doutora em Psiquiatria:
"Aquilo que se impõe à psiquiatria é uma verdadeira mutação, tendo por princípio a abolição total dos métodos agressivos, do regime carcerário, e a mudança de atitude face ao indivíduo, que deixará de ser o paciente para adquirir a condição de pessoa, com direito a ser respeitada."
Nise da Silveira


 


 

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