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DEIXA DE MI-MI-MI!

04/11/2020

Nos últimos tempos tenho escutado essa expressão: “deixa de mi-mi-mi!”. Fazendo alusão a uma espécie de "choro descabido”, a cobrança inevitavelmente vem acompanhada de uma reivindicação que deflagra a inconformidade, a indignação e a frustração de algumas pessoas diante do sofrimento de outras.

É certo que às vezes usamos lentes de aumento para problemas que poderiam ser compreendidos de maneira mais objetiva. Até mesmo solucionados com maior rapidez e nenhum aparente sofrimento, se usarmos outras lentes, ou se conseguirmos realizar uma compreensão melhor da situação. É certo que equívocos de interpretação sobre a circunstância pode nos levar a um sofrimento maior. Mas, como poderemos balizar o nível de sofrimento de cada pessoa sendo cada um o dono da sua própria história de vida? Como podemos julgar e condenar pessoas que estão sofrendo verdadeiramente pelas suas mazelas e até mesmo por preconceito social? É nosso papel social julgar as pessoas? Apontar o dedo para elas e obrigá-las a engolir o choro? Obrigá-las a minimizar sua dor? Ou esconder de si mesmas as perversidades sofridas?

O assunto é complexo, mas quem de nós teria esse direito de invalidar a dor do outro, a percepção do outro, numa tentativa de não apenas diminuir o sofrimento alheio, mas extirpar a expressão deste? Em outras palavras, fazer calar. Afinal, por que a dor do outro nos incomoda tanto?

Mais complexo e agravante é percebermos que diante de questões de violência contra a mulher, não importando a origem da mesma, ainda assim há uma cobrança social para que “não se sofra” e, se sofrer, guarde o seu sofrimento para si e não exponha publicamente. E a cobrança vem ainda com ameaça:

“Cuidado, você pode sofrer represálias se tiver a coragem de se mostrar humano e vulnerável”, principalmente se apontar seus algozes.

O que me deixa ainda mais perplexa é perceber que boa parte da nossa sociedade chama a isto de “mi-mi-mi” (além de outros rótulos pejorativos), os casos de violência doméstica, de estupro, ou casos de mães abusivas e casais complementares que cometem abuso e violência dentro de casa, políticos e cidadãos do próprio judiciário que defendem o preconceito e a violência racial, de gênero e o próprio feminicídio.

Quando filhos homoafetivos, vítimas de assédio moral, conseguem encontrar um espaço onde a sua voz é ouvida e respeitada, recebendo o acolhimento, logo aparecem grupos resistentes e homofóbicos que tentam boicotar o espaço democraticamente conquistado por estes cidadãos e partem para as agressões levando muitos à morte.

Penso que a tentativa desses grupos em minimizar a expressão das vítimas de agressão seja uma forma defensiva de negar a sua própria realidade. A fobia embutida nos discursos inflamados e tremendamente agressivos deflagra outro tipo de violência sofrida, a qual não pode ser reconhecida em seus agressores.

Será que precisamos de mais tempo para reconhecer que as agressões verbais e físicas são reais? Que mulheres morrem todos os dias por simplesmente serem mulheres? Que muitas morrem emocionalmente diante do descaso das autoridades quando revelam a agressão sofrida? Na tentativa de se proteger emocional e fisicamente destas perversidades, geralmente as crianças aprendem a sublimar sua própria violência acreditando nas justificativas que a sociedade apresenta. E assim vamos construindo uma legião de vítimas e cúmplices espalhados pelo país.

Diante dessas atuações, crianças e adolescentes vivenciam uma grande confusão mental pelas duplas mensagens usadas por pessoas com Transtornos de Personalidade Anti-social e acabam por transformar o agressor e manipulador em ídolo ou "Salvador da Pátria".

Na atualidade temos um Presidente da República que fez explicitamente declarações homofóbicas e misóginas em sua campanha eleitoral e assim foi eleito, representando as vozes de muitos.

Nossa sociedade realmente adoeceu quando repetiu as mesmas agressões que estas vítimas vêm sofrendo, chamando a tudo isto de “mi-mi-mi”.

É bom lembrar que toda forma de preconceito também representa a violência cometida às pessoas que têm o direito de serem elas mesmas e de viverem a sua vida de acordo com a sua essência e de acordo com as suas escolhas.

Ainda em relação ao dito “mi-mi-mi”, qualquer dor ou sofrimento sentido pelo outro deve ser respeitado. Por que, então, devemos respeitar e não julgar? Porque nosso telhado também é de vidro, compreende?! Porque ainda somos seres humanos vulneráveis e a dor do outro pode não ser diferente da nossa.

Reprimir o sofrimento, diminuí-lo ou suplantá-lo usando mecanismos de repressão, significa reforçar uma crença equivocada e completamente disfuncional:

“Aquele que não sente e não sofre é forte e saudável por suportar a dor”. Ledo engano! Este que não sente e não sofre é o Psicopata!.

Eliminar os sentimentos, a livre expressão deles, é eliminar nosso caráter humano e a humanidade que reside em nós. É transformar as pessoas em seres frios, calculistas e psicopáticos. Aliás, características de um caráter visivelmente impresso em líderes políticos que governam nosso País.

Pense nisso!

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