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Autossabotagem: o medo de ser feliz!

09/11/2020

Você conhece pessoas queixosas, que reclamam sempre das mesmas situações conflituosas? Por acaso você é uma delas? Então, bem-vindo ao clube dos autossabotadores! Você pode escolher a classe onde vai sentar-se: existem os profissionais pós-graduados na arte de puxar o seu próprio tapete; os iniciantes; os que repetem o mesmo padrão e nem desconfiam. Escolha seu assento!

Um cenário propício para a manutenção do padrão da tragédia pessoal, o padrão do fracasso, muitas vezes está na família, onde aprendemos a nos relacionar. Contrariamente ao que estas pessoas alegam buscar em suas vidas, elas acabam por repetir o mesmo padrão de comportamento, as mesmas escolhas, levando-os invariavelmente ao mesmo resultado. A única diferença perceptível está no decorrer do processo, ou seja, as armadilhas ou emboscadas podem se diferenciar de tempos em tempos, mas a motivação será sempre a mesma: a autossabotagem.

Para compreender melhor como esse mecanismo funciona, vamos falar das defesas psicológicas. Um dos mecanismos de defesa psicológica que os autossabotadores utilizam, em primeira escala, é a negação da realidade. Tornam-se expert nisso. O conflito original ou o trauma, como queiram denominar, habitam os porões do inconsciente por mecanismos psicológicos. Os mais atuantes são a repressão e o recalcamento. A partir daí, a negação de tudo que poderia se assemelhar ao trauma inicial passa a funcionar com maestria. Por isso os autossabotadores fazem, quase sempre, as mesmas escolhas ou repetem os mesmos padrões mentais e comportamentais:

“Eu jamais vou ser como a minha mãe é” – ou “como meu pai é”. Advinha? Pois é... Acabam sendo iguaizinhos à mãe e/ou ao pai.

“Eu jamais vou escolher uma pessoa machista para conviver comigo”. Advinha? Casa-se com o primeiro ditador que encontra na vida e o idolatra.

Esse processo, da repetição de padrões comportamentais, torna a pessoa refém de si mesma. Você já deve ter ouvido falar em “dormir com o inimigo”. O autossabotador é o próprio inimigo! Não é uma questão de má sorte ou de perseguição espiritual. A obsessão aqui é da mente do sujeito que sempre dá um jeito de "aprontar para o sujeito". O caso aqui é sério. Trata-se de um mecanismo interno muito bem arquitetado e construído, de maneira complexa e ardilosa, para tamponar o que de fato ocasiona essa bagunça toda na vida do sujeito. A “coisa toda” é tão bem estruturada que a pessoa pode levar anos a fio sofrendo do mesmo mal e se perguntando:

“Mas o que foi que eu fiz para merecer tanta desgraça?”.

Por vezes, pode durar uma vida inteira! Você deve conhecer casamentos falidos, onde os parceiros passam uma vida inteirinha se maltratando, infelizes, mas juntos até que a morte os separe. Pois bem, também não se trata de uma ordem religiosa que dita tal condição. Nada disso! São apenas adultos que não conseguem tornar consciente a manobra de sua mente manipuladora. Portanto, não conseguem acessar seus conflitos internos e por não acessarem o trauma original, acabam por repetir a mesma historinha, inúmeras e incontáveis vezes. Desconhecem o trauma e todas as crenças equivocadas que o sujeito teria construído na ocasião.

Mas qual a saída deste labirinto em que a mente ardilosamente propõe?

Só há uma saída: a busca por autoconhecimento. Infelizmente não temos ainda pílulas mágicas para resolver este dilema, a não ser para aliviar os sintomas da ansiedade que este mecanismo gera.

O autoconhecimento leva o sujeito a estudar a si próprio, a estudar sua mente, observar seus passos, suas falas e seus comportamentos repetitivos, com a supervisão de um psicoterapeuta que procura sempre ouvir além das palavras (o não-dito). O autoconhecimento propõe entrar no labirinto da mente do sujeito e, de modo consciente, percorrer o trajeto novamente até encontrar o “Minotauro” que se transformou em neurose.

Você também já deve ter ouvido falar em comportamento- padrão ou “piloto automático”. Uma das ferramentas mais potentes da neurose da repetição é o famoso “piloto automático”. São pensamentos e ações automatizadas que sustentam este comportamento-padrão para garantir a autossabotagem. Exemplos de autossabotagem:

“Penei muito, me sacrifiquei, passei por muita privação, mas felizmente cumpri minha missão cuidando dos meus pais e irmãos. E ainda, com muito sacrifício, consegui construir a minha própria família”.

“Ah, como é bom poder se sustentar sem contar com a ajuda de ninguém! Tornei-me independente muito cedo. E isso é motivo de orgulho para mim. Hoje tenho consciência que todas as surras que levei do meu pai, principalmente as que deixaram marcas no meu corpo, me ajudaram nesta independência, foram fundamentais para o meu crescimento”.

“Sou o que sou por causa dos meus pais. Por isso não preciso de um companheiro de vida. Viro-me bem sozinho. Aprendi com eles a não contar com ninguém”.

É preciso dizer que toda autossabotagem é inconsciente. Muitas pessoas acabam desenvolvendo doenças por não perceberem que estão na contramão “do que” e “como” gostariam de viver e estar. Por isso a necessidade de autoconhecimento é a porta de entrada para desfazer este mecanismo. As pessoas não procuram ajuda psicológica por se darem conta desta necessidade, elas geralmente chegam adoecidas carregando o sintoma da neurose estruturada. Nossa tarefa enquanto psicoterapeutas é desvendar essa trama junto ao paciente. Somos uma espécie de detetives nesta empreitada.

Penso que a psicoterapia deve fazer parte das políticas públicas e sociais, pois conviver com pessoas neurotizantes também é muito difícil e sofrido, além de comprometer as relações de modo geral e a própria sociedade como um todo. Nesta "neurose social" construída por mecanismos de negação da realidade, acabamos por eleger "mitos" ou "Salvadores da Pátria" repetindo, desta forma, padrões mentais infantilizados.

Existem várias maneiras de se construir mecanismos autossabotadores. Muitos são construídos a partir dos legados e mandatos de família. É quando o próprio sistema familiar, pela repetição de comportamentos inconscientes, em várias gerações, acaba reforçando a ideia de que “para manter o sistema em "bom funcionamento" (ou seja, atuante!), todos devem perpetuar seu modus operandi”. Quer dizer, todos devem “cantar e dançar conforme a música”:

Se todos da família adoecem precocemente, quem poderia infringir esse legado, colocando-se fora do sofrimento “dos seus”, da sua tribo?

E caindo fora do barco, enquanto “os seus” estão sofrendo, como você lidaria com a culpa? Se todos passam por perdas financeiras em sua vida, quem poderia ousar ter sucesso profissional e material diante de tantos fracassos? Se alguém está em luto, principalmente os pais, como os filhos poderiam sentir prazer em viver sua própria vida e suas conquistas?

Se alguém consegue cometer tamanha “transgressão” (o que seria absolutamente saudável do ponto de vista psíquico) terá de pagar o preço, muitas vezes ajudando aos outros que estariam envolvidos no drama familiar. Afinal, “fora da caridade não há salvação!”.

Há sempre um preço a ser pago quando se quebra um padrão cultural e comportamental. A culpa mobilizada pelo próprio sistema com reforços das religiões assegura o pagamento da dívida. Num sistema familiar sofredor, aquele ou aquela que goza a vida é visto como louco ou é visto como um egoísta arrogante e prepotente.

Há sempre um preço a pagar. Mas, com certeza, o preço a pagar por manter-se absolutamente fiel ou leal ao sistema opressor é sempre muito maior do que a ruptura do padrão da repetição, pois o preço aqui é pago com a própria vida.

Exatamente por isso é necessário reconhecer e solucionar o conflito interno. Neste sentido, a psicoterapia auxilia diretamente na ampliação da consciência do sujeito jogando luz nos porões do inconsciente.

Podemos viver às cegas ou viver conscientes de nossas escolhas. Na vida tudo é uma questão de compreensão das nossas escolhas, das nossas atuações, e de mudança de rota quando reconhecemos nossos equívocos. Pense nisso!

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