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Análise psicanalítica do primeiro turno das eleições para Presidência da República

03/10/2022

Posição Esquizoparanoide e Posição Depressiva

Uma análise sobre o contexto socio-político vigente

Para buscarmos a compreensão dos sentimentos que estamos experimentando nesse exato momento, pós eleições de um primeiro turno, com vistas a eleição de um novo governo ou a perpetuação do atual, proponho um mergulho profundo nas águas da psicanalista e teórica Melanie Klein. De descendência austríaca, Melanie Klein continuou desenvolvendo conceitos importantes para a psicanálise. Sua biografia é o retrato fiel de uma mulher que ultrapassou as barreiras de uma tradição judaica rompendo com a ortodoxia religiosa, podendo assim observar melhor os movimentos sociais e comportamentais de sua época. Uma mulher pós-freudiana atreveu-se a apresentar importante contribuição para a humanidade. Continua sendo referência no meio acadêmico e no olhar social para a nossa época.

Melanie Klein nasceu em 30 de março de 1882 no Vietnã e morreu em 22 de setembro de 1960, em Londres, aos 78 anos de idade. Uma de suas importantes contribuições diz respeito as posições Paranóide e Esquizóide e a Posição Depressiva. Vou me deter nessas duas posições para arriscar uma análise no final dessa explanação sobre o nosso comportamento em sociedade e no contexto da polarização que se mostra em duas forças políticas, a força do PT (Partido dos Trabalhadores e sua representação) e a Força do PL (Partido Liberal e sua representação). Em síntese, duas forças antagônicas em suas ideologias de base.

Bem, para realizarmos esse feito, recorro à explicação das posições acima.

Começamos, então, descrevendo “A Posição Paranóide e Esquizoide”, chamada também de esquizoparanoide, a qual é vivenciada por todos nós nos nossos primeiros meses de vida, quando experimentamos o que Melanie Klein denominou de “seio bom” e “seio mau”.

Quando bebês, logo que nascemos, começamos a ter emoções ambivalentes por conta dos impulsos de vida e de morte que estavam presentes e latentes em razão da luta por nossa sobrevivência. É bom recordar que nascemos completamente dependentes de uma figura de autoridade primeira: nossa mãe. Para sobrevivermos, começamos a desenvolver nossa psique a partir da experiência de controle. Ou seja, o bebê deseja inicialmente controlar o seio devorando-o e guardando-o dentro de si, ao mesmo tempo em que seus desejos de destruição inatos fantasiam a aniquilação do seio por mordidas e rasgões. Para que esses sentimentos ambivalentes e simultâneos sejam toleráveis, o ego, que é o centro da psique do bebê, se divide entre duas partes, cada qual lidando apenas com um tipo de sentimento em relação ao seio.

A partir de então, o bebê deixa de temer seus próprios desejos de destruição e passa a se relacionar com duas fantasias: o “Seio Ideal” que representa a relação de gratificação, amor e conforto que o bebê tem com o seio materno. Ele deseja guardar o seio ideal dentro de si como uma forma de protege-lo do “Seio Perseguidor” que é a fantasia de que um seio malvado deseja destruir o seio ideal. Para proteger o seio ideal e lutar contra o seio perseguidor, o bebê adota a Posição Esquizoparanóide. Essa forma possui duas importantes características:

· Sentimentos paranoicos de perseguição e

· Clivagem.

A Clivagem é a compreensão de que todo o objeto externo e interno tem uma versão boa e má. Esta é uma divisão da realidade em dois opostos.

A posição esquizoparanoide se desenvolve por volta dos 3 a 4 meses de vida. Essa visão rachada do mundo está enraizada na pré-disposição biológica que o bebê tem de atribuir valor positivo à sensação de nutrição e à pulsão de vida. E a de atribuir valor negativo à sensação de fome e à pulsão de morte. Segundo Klein, a clivagem que é essa divisão da realidade entre o bom e o mau é um mecanismo que não fica restrito ao bebê. A projeção que é o ato de projetarmos nossas características e desejos negativos em outros objetos como no seio perseguidor, e também é algo que não se limita aos primeiros meses de vida.

Por meio do quinto ou sexto mês de vida o bebê começa a unir os aspectos ambivalentes dos objetos externos e percebe que o bom e o mau podem existir em um único objeto. Por essa época o bebê começa a desenvolver uma visão mais realista da mãe e a perceber que ela é um ser independente dele e que pode ser tanto boa quanto má. O ego, que é o centro da personalidade, começa a amadurecer ao ponto de conseguir tolerar seus próprios desejos de destruição em vez de projetá-los em objetos maus.

Por outro lado, o bebê começa a reconhecer que a mãe é um ser independente dele, que pode ir embora e desaparecer para sempre. O medo de perder a mãe faz com que o bebê deseje protege-la, inclusive dos próprios desejos de destruição e aniquilamento. Contudo, o ego do bebê, nessa fase, já tem maturidade suficiente para perceber que é incapaz de proteger a mãe e desenvolve sentimento de culpa pelos desejos de destruição, os quais eram encarnados pelo seio mau.

A Posição Depressiva é exatamente esse misto de sentimentos de ansiedade pelo medo de perder a mãe e a culpa por já ter desejado destruí-la. A criança, então, passa a desejar a reparação pelas agressões do passado e por ver a mãe como um ser vulnerável. Ela passa a desenvolver o sentimento de empatia pela mãe.

A Posição Depressiva é resolvida quando a criança fantasia que conseguiu reparar as transgressões do passado e que reconhece que a mãe não vai desaparecer por completo. Que sempre retornará. Mas se a resolução da Posição Depressiva não for completa, o indivíduo pode desenvolver problemas de confiança e incapacidade de superar o luto de pessoas queridas, além de outras várias desordens psíquicas.

Análise Final - Correlação com o momento atual, neste cenário de polarização:

O que chamamos de “Fascismo” também pode ser representado pelas atuações projetivas de uma mente paranoica delirante, no caso do Presidente do Brasil. Jair Messias Bolsonaro demonstra, de diversas formas, especialmente com a defesa psicológica primária denominada de Clivagem, atuações projetivas direcionadas para o aniquilamento do “objeto mau”. Ele insiste em apresentar sua fantasia paranoide divulgando para toda a nação que a chegada de Lula à Presidência da República será a constatação do mau para a sociedade. Usa termos esquizoides e paranoicos, tais como: “O Brasil sofrerá uma ditadura comunista”. “As escolas usam “mamadeira-de-piroca”, fazendo alusão à educação sexual nas escolas enquanto disciplina de estudo do desenvolvimento humano, entre outros delírios.

Uma outra forma de delírio é o próprio Presidente da República se apresentar como um “Salvador da Pátria”, nas palavras dele: “O Imbroxável”. Seus seguidores os chamam de “Mito”. Ele se apresenta nesta clivagem como o “seio bom”, o que vai nutrir e salvar todos os brasileiros do “seio mau”. Na política, este delírio se sustentou com as fantasias que giravam em torno dessas posições e projeções.

Outra forma de delírios e projeções é o fato de afirmar que os bens de cada brasileiro serão repartidos entre todos e que o Brasil se tornará uma Venezuela, alusão novamente ao comunismo. O fato é que nunca tivemos um regime socialista, muito menos comunista. Mas a fantasia vivenciada nessa Posição Esquizoparanoide acaba por acender o nosso inconsciente nas experiências de vida iniciais. São falas e comportamentos bizarros que imitam o início da vida psíquica de um bebê. Por isso vários psicanalistas afirmam que ele apresenta comportamentos de uma desordem psíquica do tipo delirante. Ele cria um contexto de fantasias de um País sem corrupção, sem fome e livre do comunismo. São três afirmações delirantes, as quais denominamos de “mentiras”. Mas Bolsonaro insiste em delirar e mobilizar quase a metade da população brasileira para dentro dos seus delírios infantis. É algo perigoso porque mexe com um psiquismo rudimentar que habita em todos nós, em nossas memórias guardadas nos porões do nosso inconsciente. Porém, essas memórias das primeiras experiências de vida fazem parte de posições defensivas que colocam os brasileiros uns contra os outros, divide a nação e espalha o medo das perseguições políticas. Já tivemos, infelizmente, pessoas armadas matando umas às outras por conta de tais delírios. Aliás, é bom recordar que Bolsonaro prometeu, na Campanha passada, armar a população, facilitar o porte de armas para os civis que não tem preparo para usá-las. Afinal, não somos um país bélico. Bolsonaro insiste em manter o conflito inicial, o conflito de origem que trazemos em nossa bagagem de vida pregressa, o conflito intrapsíquico, mobilizando as pulsões de morte para atacar o “seio mau” que é representado por todos os eleitores de esquerda que possuem identificação com a ideologia de esquerda e com o Partido dos Trabalhadores, especialmente em relação à figura representativa do “seio mau”, segundo o “presidente delirante”, o Lula.

Sabemos que o bebê evita frustrações. O bebê prefere as experiências de gratificações e evita sensações desagradáveis. Essa é a parte rudimentar da nossa psique que contém essas informações. Bolsonaro apresenta um País completamente idealizado e utópico, portanto, delirante. E com isso agrada quase metade da população que se identifica com esse “mundo perfeito”, esse mundo ou “seio bom”, eliminando o “seio mau”. Mas, sabemos, e a CIÊNCIA PSICOLOGIA E PSICANÁLISE provam que para conseguirmos um ego maduro é importante considerarmos o objeto contendo o “bom” e o “mal”. Que não há nenhuma forma de vida sem frustrações, sem decepções, sem imperfeições humanas, sem falhas.

E para a parcela da população que vota em Lula, mesmo ele tendo sido um preso político, mesmo percebendo algumas falhas cometidas, observamos aí a possibilidade de chegarmos a um ego maduro, numa Posição Depressiva que inclui todas as frustrações, os medos, as incertezas, mas a convicção de pautarmos nossas ações na realidade e não na fantasia delirante.

Essas são algumas considerações que eu faço, mas temos aqui uma imensidão de interpretações psicanalíticas olhando para essas duas posições que espelham os comportamentos de uma sociedade polarizada entre “o bem” e “o mal”.

Continuamos nosso trabalho em relação aos estudos psicanalíticos e sociológicos para melhor compreender e vivenciar esses sentimentos e emoções nesse cenário de incertezas e desafios sociais.

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