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Agora, aos 91 anos

01/10/2020

Normalmente escrevo sobre temas relacionados à Psicologia. Contudo, resolvi abrir um espaço neste site para escrever sobre a experiência de vida de uma pessoa querida que completou 90 anos. Uma história de vida que ilustra as mudanças comportamentais vividas em seu tempo. Com o aumento da expectativa de vida, uma nova identidade social vem sendo construída promovendo a inclusão de pessoas da maturidade em todos os segmentos da sociedade. O exemplo de hoje se chama Clari Ferraro. Sua sabedoria e simplicidade revelam as vicissitudes e os dilemas vividos por muitos.

Em setembro do corrente ano, minha tia Clari completou 91 anos de vida bem vivida. Fui surpreendida há mais de 5 anos atrás, embora não fosse surpresa alguma por conhecê-la, com alguns recados deixados na caixa postal do meu celular. Ao retornar a ligação, tia Clari anunciava o convite para sua festa de aniversário. É bom lembrar que tia Clari vem comemorando seu aniversário há muitos anos. É algo que realmente lhe dá muito prazer. As festas, as comemorações, o agito sempre fizeram parte da cultura da família Ferraro e Prigol.

Uma mulher que nunca perdeu a vontade de viver. Sabe aqueles momentos que você, por um segundo, um curto espaço de tempo, retorna ao passado e como num flashback recorda todos os bons momentos vividos ao lado das pessoas que você ama? Lembrei dos meus avós paternos e do amor incondicional que experimentei através deles.

A história da tia Clari não foi nada fácil, não foi um mar de rosas, embora ela soubesse, com muita sabedoria, enfrentar as ondas mais altas ou os tsunamis sem perder a fé e a esperança em dias melhores. Ao relembrar as passagens da tia Clari, tive a certeza absoluta da influência dessa família na minha vida, na minha formação acadêmica, na minha escolha profissional. Fui construindo a pessoa e a psicóloga que sou hoje através da experiência vivida nesses vínculos. Em outros também. Recebi, como legado desta família, o respeito e o amor ao próximo, sem distinção ou discriminação e o cuidado para não excluir ninguém. Meu avô paterno era assim: um agregador, um conciliador. Se alguém precisava de ajuda, lá estava ele, com os seus suspensórios, mãos para trás, uma segurando na outra, com altivez sem deixar de ser humilde, um semblante sério mas ao mesmo tempo uma referência de autoridade com amor. Uma figura emblemática. Todos os primos têm uma bela passagem com este avô para contar, para lembrar. Quando nos encontramos, relembramos essas passagens.

E a lucidez da Tia Clari, reflexo da consciência que tem a respeito de si mesma e do outro, me impressiona. É bom que se diga, pois tia Clari sempre leu muitos livros, o que faz com que sua capacidade perceptiva, sua inteligência seja exercitada, preservando as funções mais complexas de sua mente, mantendo-se não somente atualizada mas tornando-a mais próxima da realidade do mundo que a cerca. Outro segredinho da tia Clari em relação a sua longevidade é a alegria de viver. Ela tem amigos, conversa bastante, joga carta e “general”. No passado fazia crochê, bordava toalhas e roupas para doação. Dentro do possível, cuida de algumas tarefas domésticas mesmo com séria deficiência nos joelhos e nas articulações. Mantém seu quarto bem arrumado e limpo. Suas roupas, seus pertences, sempre muito bem organizados. Minha avó paterna era assim também. Tia Clari é vaidosa. Vive com a unha pintada e batom na boca. É mãe e avó amorosa. Ajuda no enxoval dos netos e bisnetos. Se diverte nas festividades da família.

Atualmente a tia Clari não mora mais sozinha, mora numa chácara com a filha Bernardete Concer e a sua família. Mas a chácara, aos fins de semana, fica repleta de gente: são os filhos, genros, noras, netos, bisnetos, amigos que vão chegando e compartilhando esse amor fraternal. Tem um galpão, uma casa grande, construída pelos meus primos e lá tem o que a família sempre valorizou: a união de todos em volta do fogão a lenha, da mesa de jogos, das "biras" (cervejas), os cachorros circulando pelo galpão... Tem até cavalos! Ovelhas e outros animais.

E as gaiolas?! Gaiolas, nome dado aos carros preparados para a gurizada passear pelos arredores da chácara. Meus primos foram corredores de kart e de carro em Tarumã. Sabem "envenenar" o motorzinho das gaiolas para as crianças se divertirem. Aliás, acho que não são só as crianças que se divertem com as gaiolas! Tem "gente grande" andando de gaiola por aí! Assim contou a tia Clari!

Outros interesses da tia Clari: adora uma partidinha de futebol, vibra como se estivesse no estádio. Briga com o juiz, chama-o de... (bem, deixa pra lá!). Tia Clari viajou muito, no passado. Durante mais de 10 anos excursionou e se divertiu nas viagens que fez. Agora está caseira, curtindo a família.

O que dizer para uma pessoa que completou mais de 90 anos e que serve de exemplo de vida para todos nós? Apenas uma simples frase, repleta de amor e consideração:

Parabéns pela pessoa que és, tia Clari! Meu amor por ti e pela família será eterno. As lições de humildade, respeito ao próximo, simplicidade, união e amor incondicional fazem parte das minhas construções, da minha busca constante. Para mim, isso é permanecer na essência.

Existem pessoas que simplesmente passam pela nossa vida, outras deixam grandes ensinamentos, grandes aprendizados, grandes lembranças. Neste dia 01 de outubro desejo uma feliz vida a todos os idosos! Feliz Dia do Idoso!

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