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A Arte de Questionar(se)

08/09/2020

Já dizia Zygmunt Bauman:

“Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem”.

O sociólogo Bauman acertou em cheio quando classificou nossa sociedade como “líquida”. A “Era da Liquefação dos Laços Sociais” trouxe um movimento que insinua um enfraquecimento dos vínculos, ao mesmo tempo em que manifesta o desejo pelo pertencimento às relações afetivas e sociais.

O descontentamento, a frustração ou a falta de um componente adrenérgico e altamente motivador faz com que muitas pessoas busquem relações efêmeras, passageiras. Por vezes na tentativa de compensar o que não encontram na sua própria trincheira, as pessoas líquidas estabelecem relações trianguladas e nessas relações paralelas buscam a completude, até experimentarem novamente a sensação de frustração ou de insatisfação pelo desejo findado. Assim reiniciam a busca por uma nova trincheira, com o foco no prazer e na eterna satisfação.

Este mesmo movimento que busca incessantemente o prazer pelo prazer, também revela insatisfação pela estratégia estabelecida, a qual não sustenta outras tantas necessidades psicológicas, e de estima, como é o caso da necessidade de pertença e inclusão.

Neste sentido podemos pensar uma nova identidade social que esteja sendo alvo desses comportamentos, em seu contraponto, é claro.

De tudo exposto, o que percebemos é certo entorpecimento mental, uma espécie de preguiça cognitiva. Efetuamos várias, inúmeras e incontáveis sinapses neurais no intuito de atingirmos metas voltadas para o mundo externo, alimentando a fantasia narcísica em que todas as possibilidades de realização pessoal são alcançadas neste contexto e através destas representações sociais. Ou seja, "minha realização pessoal depende exclusivamente do outro ou do evento que eu crio na minha vida". Do olhar do outro ou do lugar do desejo. Sendo assim, estabeleço uma relação quase objetal com a outra pessoa e comigo também. É ela quem dá o significado de felicidade para a minha vida e de pertencimento. É o "evento" que eu promovo que me dá essa noção, mesmo que seja algo que nada tem a ver comigo.

Esta percepção, obviamente equivocada, reduz a nossa capacidade de reflexão sobre quem somos e o que pretendemos fazer com a nossa experiência de vida. Depositar todas as “fichas” no outro é anular a capacidade de questionar(se). Questionar o que está na nossa vida, no nosso entorno e, principalmente, em nós. Questionar o modo como estamos gerenciando a nossa vida; questionar qual o projeto de vida que queremos e como pertencer ao outro a partir das nossas contribuições pessoais; questionar-se;avaliar-se.

Essa capacidade de “se ouvir”, “se perceber” e acessar o mundo interno repleto de representações psíquicas (de experiências já vividas e internalizadas, com suas crenças, valores, sua visão de mundo, seus aspectos íntegros e suas sombras), faz com que sejamos capazes de estabelecermos relações sociais e afetivas funcionais, produtivas, aumentando ainda mais a assertividade nos relacionamentos de modo geral. Se aprendermos a “nos ouvir”, provavelmente aprenderemos a ouvir o outro e estabelecer com o outro a empatia para que a conexão se estabeleça e o vínculo seja firmado.

Porém, paga-se um preço para viver uma vida mais plena possível: encarar a realidade do mundo interno significa entrar nos porões do medo e das angústias que também compõem este cenário interno. Encarar este universo significa reconhecer (em si) a própria vulnerabilidade. É encarar a vergonha, a culpa, a insegurança e outras tantas fantasias que limitam o seu desenvolvimento enquanto sujeito pensante, mas também servem para impulsioná-lo às mudanças necessárias.

Quero deixar aqui algumas reflexões para pensarmos juntos:

Por que passamos a pensar menos em nós e muito mais nos outros? A questionar(se) menos? A abandonar o espírito crítico? Será que acumulamos tantas coisas “mal resolvidas” que o medo de abrir a nossa caixa preta faz com que continuemos buscando nosso bem-estar fora, num outro ou em alguma outra coisa ou, ainda, em vícios e compulsões?

Por que essa recusa em assumir a responsabilidade pelo próprio bem-estar, de forma autônoma e individuada? Afinal, a viagem para dentro de si pode ser muito interessante e o repertório interno pode ser ainda melhorado com outras tantas experiências de vida, as quais podem compor um universo interessante de se partilhar com o outro e com o mundo.

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