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Resistência à Mudança

03/10/2020

“SER OU NÃO SER: EIS A QUESTÃO”.
William Shakespeare.

“SER OU NÃO SER: EIS A QUESTÃO”. É um questionamento filosófico usado por Shakespeare quando Hamlet tem a difícil decisão ética de pôr fim ou não à vida do próprio tio que supunha ter assassinado seu pai, o rei, para casar-se com a rainha, sua mãe, e assim assumir o trono. A questão que se coloca está na dimensão do que fazer com o punhal. No entanto, Shakespeare eleva o plano da questão para uma dimensão mais sublime, superior, em uma palavra: existencial. Faz o príncipe da Dinamarca indagar-se pelo que realmente é importante, colocando a questão sob a ótica de sua felicidade, na dimensão moral do agir interior. Outra frase que complementa este sentido filosófico, traduzido por Shakespeare, é: “Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que às vezes poderíamos ganhar pelo medo de tentar”.

Normalmente me deparo com um cenário intrigante e ao mesmo tempo desafiador, construído a partir de uma proposta de desenvolvimento pessoal em psicoterapia. Ao longo desta construção e a cada sessão, em cada encontro, uma espécie de quebra-cabeça começa a ser montado pelo paciente/cliente que vai reconhecendo as peças que compõem a sua história de vida. Peças que ao se encaixarem retratam sua verdadeira imagem, dando forma e contorno a seus desejos mais íntimos.

Shakespeare, em sua peça teatral Hamlet, propõe esse ensaio para uma vida adulta. Indagar-se pelo que realmente é importante em sua vida passa a configurar um cenário de grandes emoções na medida em que a ótica da sua felicidade está fundamentada no seu desejo mais íntimo e por vezes ainda reprimido. Esta é a dimensão moral do agir interior. E quando a verdade é "des-coberta", mas a realidade se contrapõe a ela? O que fazer? Qual caminho seguir?

Nesse momento, alguns pacientes resistem a essa "revelação". O medo passa a ser o inimigo presente e atuante, trazendo dúvidas e insegurança.

Permito-me trazer algumas falas recorrentes para exemplificar essa fase tão difícil e conflituosa para aqueles que avançam em seu processo de desenvolvimento pessoal:

“Não teria sido melhor a ignorância ou a escuridão em que vivia do que o sofrimento que agora experimento pelo impasse que se dá através de uma realidade que não contempla mais o meu desejo, o meu anseio?"

"Afinal, minha vida estava tão boa, tudo parecia ser tão perfeito e intocável!”

"A terapia me faz sofrer, pois enxergo o que neguei durante tanto tempo! O que eu tinha me parecia ser tranquilo, conveniente, oportuno. Por que agora não sustento mais essa realidade?"

"Como posso retroceder à minha vida, trazê-la de volta, no formato anterior?"

"Como faço para sair desse labirinto que me encontro?"

É bem verdade que para os psicoterapeutas experientes, quando o paciente chega a essa fase, a habilidade consiste em ajudá-los a reconhecer os ganhos reais que podem obter se enfrentarem seus medos e suas dúvidas, pois elas “são traidoras e nos fazem perder o bem que às vezes poderíamos ganhar pelo próprio medo de tentar”.

Optar por viver na escuridão da própria ignorância é se distanciar da possibilidade de construir a ponte que o une na direção da sua felicidade a partir do reconhecimento da sua verdade, do seu desejo.

Contudo, essa é tarefa para "gente grande" (adulta), gente que enfrenta com coragem e determinação suas mazelas, seus dilemas e suas fragilidades. Gente que, apesar do medo que os acompanha, prefere a trilha da verdade, a trilha dos ganhos reais que nela podem encontrar.

Do contrário...

“Todas as graças da mente e do coração se escapam quando o propósito não é firme”.

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